. a Botica de Histórias no Circuito SESC de Artes 2016 .





Nos encontramos na casa da Cris (Cristiana Ceschi) para ela nos passar as últimas coordenadas a respeito do Circuito Sesc de Artes. Era noite, poucos dias antes de viajarmos. Ao lado da Dedé (Débora Kikuti) conversando sobre o que estava por vir, senti subitamente uma alegria no coração. Aquele tipo de alegria que anuncia o gosto de coisa boa - “Bons presságios de uma bela aventura...”, era isso que meu coração estava tentando me contar.
Partimos para nossa jornada! Duas contadoras de histórias representando o Coletivo As Rutes. Nossa missão: levar a “Botica de Histórias” por 9 cidades do interior, encontrando as pessoas nas ruas, nas praças e encarando todo o desafio que a arte na rua pode trazer. Mas o melhor ainda estava por vir...
Entramos num portal encantado junto com artistas companheiros de viagens que rapidamente viraram nossos amigos, nossa família durante a estrada.
Nossa trupe era composta por letristas designers, educadores, malabaristas, bailarinos, atores, músicos e nós, contadoras de histórias. Éramos cuidados pelo Leo, programador do SESC, mas que na verdade era nosso anjo da guarda.
Os dias durante o circuito se deram da seguinte maneira: Chegávamos na praça da cidade; arrumávamos nossa bandeja com os vidrinhos contendo as histórias que remediariam as “pontas soltas” que encontrássemos naquele dia; uma respirada profunda e entrávamos em ação!
Posso imaginar o impacto que nossas figuras causou nas pessoas que cruzaram nosso caminho... Pense você comigo: você está numa praça, fim de tarde e vê duas mulheres com um vestido rodado com uma gola azul claro (perguntaram se éramos elfas, fadas, ciganas, bruxas, e por aí vai...) com um delicado instrumento similar a uma bolha de sabão na mão e uma bandeja cheia de vidrinhos, abertas para uma boa conversa e oferecendo... histórias!!!
Em cada lugar, em cada encontro houve uma surpresa. No começo os olhares eram de curiosidade e até uma certa desconfiança do que estava por vir, até que de repente... acontecia a entrega, o encontro! Do encontro com as pessoas a partir de uma conversa breve as histórias compareciam, querendo ser contadas ou por mim ou por minha companheira. As histórias muitas vezes chegavam para ser contadas a galope, quase sem pedir licença! Às vezes muitas histórias ao mesmo tempo queriam ser contadas e tínhamos que despertar uma escuta profunda e serena, para que fosse revelada qual seria a história ideal para aquele momento, para aquele grupo de pessoas, para aquela luz do sol, para aquela brisa que surgia docemente no ar.
As lembranças são muitas, e os acontecimentos fantásticos também, de modo que que escolhi dois para ilustrar um pouco da magia que aconteceu em cada encontro...
Lembro quando estávamos numa praça em Barueri. Era quente, com um sol escaldante, e eu contava uma história para um grupo grande, cheio de crianças e adultos próximo a um lago. Estava no momento da história em que disse a frase “Quando na floresta de repente surgiu...”. Nessa mesma hora surgia na praça duas gansas enormes se aproximando do grupo. Foi uma dispersão só, as pessoas com medo saíram correndo e eu e a Dedé ficamos paradinhas, assistindo o que estava acontecendo... As gansas deram uma volta em torno de nós duas, nos olharam, como se fizessem um comprimento, e saíram. Nesta altura pensamos que já tínhamos perdido nosso público, quando para nossa surpresa rapidamente as pessoas voltaram para escutar e retomei a história de onde paramos. Sentimos como se tivéssemos presenciado a graça do mundo encantado se materializando para dar um alô através daquela duas gansas...
Outra lembrança que me emociona foi do dia em que fomos com a Botica de Histórias na cidade de Itapevi. Neste dia, a Débora contou uma história sobre uma cidade onde todos carregavam pedras. Na jornada da história, acontecia uma transformação: as pessoas paravam de carregar as pedras, aprendendo a viver uma vida leve. Lembro do semblante de um senhor que ouvindo a história foi tirando seu boné, num gesto humilde e fazendo uma reverência para nós olhou fundo em nossos olhos, olhar de quem é cumplice. Seu olhar nos contou que ele mesmo estava mais leve depois de ouvir a história e agradeceu o momento. Quando nos despedimos, dois rapazes nos chamaram, dizendo que Itapevi significava “Rio de Pedras Chatas”. Quando os rapazes viram nossa surpresa ao constatar tamanha sincronicidade os quatro se olharam, sorriram e em silêncio confirmamos a magia que havia acabado de acontecer.
No final da jornada, ficou a confirmação de que as histórias estiveram conosco o tempo todo. Juntas, levamos as histórias para viajar, para serem contadas a quem fosse importante escutá-las. Nada melhor do que caminhar em companhia de boas histórias e humildemente deixar que elas passem através de nós.
Assim, a viagem terminou no tempo espaço, mas está viva dentro dos nossos corações com uma boa colheita: amigos queridos, companheiras contadoras de histórias especiais, e o prazer que dá quando se está a serviço de uma arte tão antiga e tão essencial.

Viva a Botica de Histórias!

Relato de Sarah Elisa sobre a temporada do Coletivo As Rutes no Circuito Sesc de Artes 2016.

Nenhum comentário: